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Os sapatos da Fenaban
28/08/2021 10:20 em Livros

 

 

A data em que se comemora o Dia do Bancário é o 28 de agosto. Antes da pandemia, o SindBancários de Porto Alegre promovia um jantar dançante, um evento de confraternização e comemoração, união e um lembrete de que a luta diária contínua. Neste aniversário, não haverá festas. O nosso país passa por uma grande crise social, econômica e social. Os bancários são de luta e mobilizações, uma categoria de trabalhadores organizada nacionalmente e serve de referência para o movimento sindical.

O Texto “Sapatos da Fenaban” foi publicado no meu livro “Militância Cativante”, redigido na greve da categoria em 2015. A primeira edição foi esgotada. Boa leitura e parabéns aos bancários do Brasil.

Os sapatos da Fenaban

Mulheres gostam muito de sapatos. O sentimento é tão forte que algumas chegam a sonhar que são centopéias, com todas aquelas patinhas bem calçadinhas e com as últimas novidades da temporada primavera/verão, é claro!

Muitos enxergam com lirismo e até com romantismo, essa fissura feminina pelos adornos dos  pés. Ainda outro dia, acho que foi na manhã seguinte da decretação da greve, uma bancária do banco Itaú, retornando dum piquete de convencimento, calçando uma bota de couro em forma de fole de gaita e salto carrapeta, não encontrou maiores dificuldades para subir à calçada da Ladeira. Uma cena espantosa e reveladora do equilíbrio feminino, já que as calçadas da capital dos gaúchos estão pavimentadas por criminosos basaltos, que, quando molhados, viram um sabão.

Mesmo assim, havia segurança e muita graça naquele andar. Nada contra e tudo a favor, afinal mulheres grevistas também andam e piqueteiam de salto alto. No caso das gurias gaúchas, sempre de faca na bota.

É sabido que sapatos femininos alimentam fetichismos masculino e alavancam a indústria calçadista nacional. Infelizmente, não é o caso dos negociadores da Fenaban (Federação Nacional dos Bancos), que usam outros tipos de sapatos.

Não sabemos se calçam um cromo alemão, ou um clássico pisante italiano, de bico fino alongado, preto e sem brilho. Pode ser ainda que, um ou outro representante dos bancos, talvez para desviar a mirada, use uma das tantas versões de mocassim. Algo muito improvável, já que se trata de um tipo de calçado criado pelos índios norte-americanos. É francamente duvidosa essa possibilidade, já que, como bem sabemos os banqueiros não gostam de índios e, pelo andar das pisadas nas mesas de negociações, também parecem odiar os bancários.

O sapato masculino é um dos ícones da exploração do capital sobre o trabalho. Melhor dizendo, a sola do sapato do capitalista é a expressão maior da opressão do patrão sobre o descalçado trabalhador. Já chamaram o Brasil de território dos descamisados, de ter um povo sem dentes e sem dentaduras, mas poucos falaram que somos um país com mais de 200 milhões de habitantes, e grande parte desta sofrida população, e isso vale para homens e mulheres, jamais vestiu um prosaico sapato social ou tropical.

Nosso país vive e prospera com seus pés à mostra, a maioria, com rachaduras etílicas, se despelando com as intempéries do inverno e do verão e, principalmente, cheios de calos por conta do serviço e das precárias condições de vida do povo brasileiro. O sapato, portanto, e melhor dizendo, a sola do sapato, é um símbolo da opressão daqueles que muito têm contra aqueles que nada têm. E é também uma extraordinária manifestação daqueles que detêm e exercem o poder.

Numa passagem, por exemplo, da peça de teatro Gota D’Água, escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes, Creonte (o personagem do Capital) ensina a filosofia do sapato à Jasão (personagem malandro que se vira daqui e dali e representa a base da pirâmide social brasileira). Ensina Creonte: para dizer NÃO a qualquer subalterno, você deve “cruzar as pernas, que o teu ‘reclamante’ vai se sentir mais impotente vendo a sola do teu sapato”. No mundo ocidental e capitalista as coisas são assim. Já nas comunidades árabes o sapato tem outra serventia.

Foi o que se viu, em dezembro de 2008, quando um jornalista iraquiano atirou o próprio sapato no presidente dos EUA, George W. Bush, o presidente mais poderoso do planeta, que simplesmente arrasou o Iraque. O invasor americano não levou a sapatada porque se desviou a tempo.

O fato ilustrou que, para os árabes, os sapatos, além de servir para os pés, são também uma ferramenta que deve ser atirada contra os agressores, opressores e intransigentes que pensam que são os reis da cocada de todos os colores. Tudo levar a crer que a dureza com a qual os banqueiros estão tratando a categoria bancária na mesa de negociação, se deve ao uso dos ultrapassados coturnos do século passado. Se não adornam todos os pés, na certa estão moldando muitas cabeças.

Neste cenário, é preciso alertar os representantes dos bancários: antes de sentarem à mesa, que mirem muito bem os sapatos dos representantes da Fenaban. Podemos até estar enganados, talvez seja o caso do Comando Nacional dos Bancários, além de intensificar a mobilização, providenciar uma coleção de tênis para os negociadores dos banqueiros.

Quem sabe não esteja ai a gota d’água de uma solução na negociação com a Fenaban. Talvez os modernos e fashion pisantes juvenis, também usados pela maioria dos trabalhadores bancários, seja a arma secreta, o “tcham” capaz de vergar a sapataria exploradora dos banqueiros brasileiros. Se não for por esta via, bueno, ai só “miguelitos” contra a sola de sapatos opressivos salvam!

Serviço

Obra: Militância Cativante

Autor: Moah Sousa

Editora: MC Comunicações

100 páginas, 2017

 

 

 

 

 

 

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